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Espera

Capítulo # 2

Nem todo mundo achava que o vovô havia ido para Tupckalauakaka. A maior parte das pessoas, na verdade, achava que aquilo era só uma fantasia para entreter os netos.

Assim, pensavam que o vovô talvez voltaria em breve, quando a comida acabasse ou pouco depois.

 

E resolveram esperar.

 

Os dias foram passando e nada do vovô voltar. Telefonemas para amigos próximos foram feitos sem que nenhuma pista aparecesse. Na rodoviária e no porto não havia passado, diziam autoridades e os funcionários.

 

A vila onde moravam era pequena, assim todos conheciam o vovô. Se alguém o tivesse visto, certamente falaria.

Tom e Tina estavam entre preocupados e empolgados com o desaparecimento. Eles não acreditavam que o vovô havia se metido em encrencas, porque nas histórias ele era sempre muito esperto.

 

Sempre encontrava uma saída quando tudo parecia perdido. Por outro lado, com todos aqueles adultos falando que ele havia morrido em algum acidente no mar, ficava difícil manter a esperança.

 

Mesmo sem a presença dos avós, Tom e Tina ficavam sentados no banco da varanda da casa deles à espera de que alguma coisa boa acontecesse.

 

No começo conversavam, lembravam momentos e comiam os últimos biscoitos feitos pela avó, ainda guardados na despensa. Aos poucos, o silêncio foi se instalando e eles já não tinham mais assunto.

 

Não queriam admitir, mas a desesperança aos poucos tomava conta deles também.

Nos primeiros dias da espera, qualquer barulho diferente chamava a atenção. Muitas vezes foram correndo para a rua, achando que haviam escutado o ranger das rodas da bicicleta do vovô. Bastava começarem a correr e lembravam que a bicicleta estava parada na varanda ao lado deles.

 

Quando ficavam cansados da varanda ou com muito frio, entravam e sentavam no sofá da sala, de frente para a poltrona onde a vovó Betina costumava sentar no fim da tarde. Lá, continuavam em silêncio.

 

E os dias foram passando, uns iguais aos outros, até que uma tarde viram o papai e a mamãe se aproximando com um homem, que já haviam visto na cidade. Ele trazia na mão uma bolsa de couro, do tipo que se usa para guardar ferramentas.

 

Tom e Tina saíram correndo na direção dos pais.

— O que vocês vão fazer? Perguntou Tom acompanhado de Tina.

— Vamos abrir o quarto do andar de cima, respondeu o pai.

— O quarto misterioso? Perguntou com espanto Tom.

— Sim, seu avô sumiu faz muito tempo, já devia ter voltado. Queremos ver se no quarto há alguma coisa que nos ajude a descobrir onde foi parar seu avô.

 

O quarto misterioso ficava no segundo andar do sobrado de três quartos, . entre o quarto de casal dos velhinhos e o quarto de hóspedes, onde Tom e Tina dormiam quando seus pais tinham que sair à noite.

 

A casa com varanda do vovô, desenhado pela Tina, como ela se lembrava anos mais tarde. No desenho se vê Tina e Tom esperando pelo vovô na varanda e a janela do quarto misterioso

 

Estava sempre trancado e ninguém jamais havia entrado ali.

Tom não cabia de excitação de saber que finalmente ia ver o que havia lá dentro, e Tina morria de medo de abrirem aquela porta. Ela acreditava que os fantasmas das histórias que ouvia ficavam presos ali.

 

A mãe tinha cara preocupada e o pai uma expressão decidida. Subiram as escadas com os filhos logo trás, tentando ver entre as pernas dos adultos a famosa porta.

A porta em si, não tinha nada de especial, era uma porta da cor creme, nem muito forte, nem muito fraca.

 

Ao chegarem à frente da porta, os quatro se afastaram para que seu Mojica pudesse iniciar seus trabalhos. Vasculhou sua bolsa até encontrar uns arames meio duros. Entornou a ponta de um deles com um alicate enfiou a ponta torta na fechadura.

 

Tom e Tina não paravam de falar. Cada um entusiasmado à sua maneira com o fato.

Levaram uma bronca, porque Seu Mojica precisava de silêncio para fazer o trabalho.

Com os olhos e ouvidos atentos ao buraquinho da fechadura, ele mexia o arame para lá e para cá. Vez por outra tirava o arame e tornava a entortá-lo. No seu rosto havia largas rugas de tanto que estava concentrado em seu ofício.

 

De repente um click. A expressão preocupada de seu Mojica se transformou num largo e orgulhoso sorriso.

— Pronto está destrancada. — Falou feliz.

Aliás, parecia que ele era a única pessoa feliz ali. Havia tanta ansiedade para saber o que havia naquele quarto, que mal podiam se aguentar.

 

Ele se afastou e fez uma reverência com a mão ao pai das crianças, indicando que a porta podia ser aberta.

 

O pai se aproximou e, sem mais delongas, abaixou o trinco e empurrou a porta.

Por trás dos adultos, Tom e Tina esticavam o pescoço o quanto podiam, na tentativa de ver alguma coisa.

 

O quarto estava escuro, indicando que a janela estava fechada.

— Procure o interruptor amor. — Disse a mãe das crianças.

Tateando pela parede imersa na escuridão o pai achou o interruptor.

— Pronto, achei. ‒ E ligou a luz.

 

Era a primeira vez que alguém, que não fossem o vovô ou a vovó, via o que havia naquele quarto.


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