Por trás dos muros
Capítulo # 10
Quando os pais acordaram, as crianças já não estavam na cama.
Assustados, saíram para o grande quintal em busca delas.
Tom estava sentado numa mesa com uma criança de idade próxima. Folheava livros em árabe cheio de ilustrações e um diálogo do tipo "um de cada vez" acontecia entre eles. O menino Árabe se chamava Amir e era neto de Hamid.
— Cavalo — falava pausadamente Tom, enquanto apontava a figura de um cavalo.
— Hisan — respondia Amir.
— Lyaw — falou Amir mostrando a figura de um leão.
— Leão — respondeu Tom dando uma larga risada achando graça na semelhança das palavras.
Tina brincava feliz com Laila, irmã de Amir. Laila era um pouco mais nova que Tom e um pouco mais velha que Tina.
Elas haviam feito um desenho de quadrados e círculos no chão e pulavam de um pé só.
— Olha mamãe, a Laila sabe pular amarelinha! falou toda feliz correndo em direção à mãe vestindo uma saia longa e solta colorida e pulseiras metal cobrindo metade do antebraço. As crianças já estavam adaptadas.
Laila brinca de pular amarelinha com Tina.
— Espero que tenha dormido bem, disse a bondosa senhora que havia assustado a todos na noite anterior com a lanterna dentro do carro.
— Dormimos bem sim Adira, principalmente sabendo que estávamos em segurança depois do susto de ontem a noite.
— Hayaa, hayaa. Vamos para a mesa comer — disse Hamid, que embora falasse português, não conseguia fazê-lo sem colocar algumas palavras em árabe no meio.
— As crianças já comeram e estão se divertindo.
— Descobrimos que as brincadeiras no Brasil e aqui em Bagdá são bem parecidas, não é mesmo Tina? — disse a bondosa Adira olhando para a menina.
— É sim mamãe, eles brincam de esconde-esconde, pega-pega, bate palma e até de amarelinha. A escola delas aqui é como a nossa escola mamãe. Tem recreio e tudo.
Laila se aproximou timidamente e ficou esperando pacientemente a amiga contar todas as novidades para a mãe.
— Nós vamos tomar café Tina, está com fome ainda? perguntou a mãe.
— Já comi, vou brincar com Laila! mal terminado de falar e já correndo junto com a nova amiga de mãos dadas em direção a outro grupo de crianças.
— Sarie, sarie, a comida vai esfriar disse Hamid.
— Sarie deve ser depressa — disse o pai de Tom olhando para a esposa. — Eles disseram isso ontem a noite quando chegamos no portão.
Hamid estava ansioso para sentar à mesa. Havia muito a conversar.
— Vocês nos pregaram um grande susto ontem Hamid, disse a mãe. Achamos que havíamos caído na mão de terroristas internacionais.
— Vocês quase caíram,— disse Hamid. Al Sagh, que pegaria vocês, não tinha boas intenções.
— Mas porque? perguntou o pai.
— Muita gente conheceu seus pais. Falou Adira, olhando para a mãe.
— Eles eram muito queridos, mas pouco cuidadosos. Se aproximavam de pessoas sem nenhum cuidado. Felizmente ficamos sabendo da vinda de vocês a Bagdá e pudemos cuidar de trazê-los para cá. Mas temo, que se tinham intenção de passear, podem mudar de idéia.
— Vocês sabem porque viemos Hamid ?
— Soubemos da morte de sua mãe, disse Adira, com tristeza nos olhos. Nós éramos como irmãs.
— Faz uns meses recebemos uma carta de seu pai — disse Hamid por sua vez.
— Sabíamos que viriam, mas preferimos não saber porque. Estamos mais seguros assim.
— Achamos que havia notícias na carta, mas não. A carta dizia apenas:
"Cuide deles, provavelmente estarão em perigo. Leve-os ao local da explosão. Estão atrás de mim. Obrigado Irmão Hamid".
— Perigo? Local da explosão? Será que é o lugar da foto?
— Qual foto? perguntou Hamid.
— Esta foto! respondeu o pai tirando uma foto do bolso.
A foto com o anel que haviam separado no Brasil.
— Ah! veja só. Sabem que este senhor charmosão sentado? perguntou Adira, olhando para a mãe das crianças. — É meu bonitão aqui, respondeu sem deixar ninguém falar e olhando para Hamid.
— Deixe me ver a foto disse Hamid.
— Me lembro quando esta foto foi feita. É dentro das ruínas de Uruk. As ruínas são muito antigas, tem quase 5000 anos.
— Sabemos disso, e a explosão? perguntou o pai?
— Não sabemos, mas é um pouco mais recente. Parece que tem cerca de 4000 anos. Não sabemos o que aconteceu.
— Seu pai tinha muito interesse nelas. Em especial neste anel.
— É possível visitá-los? Disse o pai.
— Sim, é o local que a carta pede para que eu os leve. Mas precisamos ter cuidado. Mais gente sabe que vocês estão aqui e que vocês sabem, que vocês também estão buscando ele.
— Mas quem tem interesse no meu pai? perguntou a mãe.
— Eles não acham que vocês estão buscando o seu pai apenas, disse Adira.
Nisso chegou Tom com o amigo novo e perguntou.
— — Vô Hamid, vocês tem sempre guardas nos muros aqui? Precisam sempre ficar presos aqui dentro do muros?
— Não, não. Eles estão aqui só por causa de vocês. Só para proteger vocês.
O pai e a mãe que saboreavam um delicioso pão feito na hora engasgaram com a informação. Quando iam perguntar porque eles precisavam de segurança, Tom viu a foto no colo de Adira e perguntou:
Guarda vigia a redondeza enquanto Tom e Tina e a família se hospedam com Hamid e Adira.
— Quem são na foto Vó Adira?
Porque a esta altura ele já chamava Adira de vó e Hamid de Vô.
— Este sentado no centro círculo sou eu, e este de costas é Al Sagh.
O nome de Al Sagh foi falado com um peso e uma tristeza que pesaram o ambiente.
— O terrorista? Perguntou o pai de queixo caído. Porque?
Neste momento Adira levantou da mesa e interrompendo o rumo da conversa disse:
— Vamos, vamos, temos que preparar a viagem a Uruk. Falou fazendo todos se dispersarem.